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Já mostramos aqui que a Língua de Sinais é processada pelo
cérebro na mesma região que a língua oral, diferenciando na ativação das áreas
linguísticas, que no caso da língua de sinais é feita pela área visual e não
auditiva. Além disso, falou-se da importância do aprendizado da língua de
sinais como primeira língua de forma precoce para que a codificação cerebral
ocorra de forma natural.
Acesse:
Hoje relatarei um trabalho de pesquisa desenvolvido por Sidone
Pénicaud at al (2012) que problematiza a influência da idade de aquisição da
língua de sinais e a organização anatômica cerebral.
O cérebro tem a capacidade de se moldar tanto
estruturalmente quanto funcionalmente mediante a estímulos, como a aquisição de
uma língua, isto é, ele tem a propriedade da plasticidade.
CURIOSIDADES APRESENTADAS PELO ARTIGO: Sabe-se que o córtex
auditivo primário do surdo possui maior quantidade de massa branca (axônios de
neurônios, que fazem as conexões entre essas células) do que esta mesma região
no córtex do ouvinte, devido a privação de som. E por outro lado, mostraram que
há um aumento da densidade de matéria cinzenta (corpos de neurônios) localizada
no lado esquerdo do córtex motor do surdo em relação ao ouvinte, o que interpretaram
como um fator que aumenta o controle motor da mão dominante durante a
sinalização.
Para fazer este trabalho, os pesquisadores contaram com um
grupo de surdos congênitos que adquiriram a língua em diferentes momentos da vida.
Todos eram destros, sendo que 18 possuíam surdez profunda em ambos os ouvidos,
2 tinham surdez moderada em ambos os ouvidos e em 3 a surdez era profunda em um
ouvido e moderada em outro. E um grupo de ouvintes serviu como grupo controle.
Os participantes foram divididos em grupos de acordo com a
idade em que foram expostos pela primeira vez à ASL (Língua Americana de
Sinais):
- Infância, exposto a ALS pelos pais sinalizadores até os 3 anos de idade;
- Early-signers, primeira exposição a língua entre 4-7 anos;
- Later-signers, entre 11-14 anos de idade.
Os grupos 2 e 3 são de surdos que nasceram de pais ouvintes
e inicialmente frequentavam escolas regulares usuárias da língua oral, e
posteriormente foram transferidas para escolas de surdos.
Gráfico retirado do artigo original. |
Segundo os autores, analisando o cérebro como um todo, não
houve diferenças significativas entre os surdos e os ouvintes. Porém, avaliando
as áreas da visão, as pessoas que tiveram contato com a ASL, antes dos 3 anos
de idade, apresentaram maior quantidade de massa cinzenta comparando com os
outros grupos de surdos e com os ouvintes (veja os gráficos) - o estímulo pelos
pais logo ao nascer deve explicar este fato. Já as pessoas que tiveram contato após
os 7 anos apresentaram menos massa cinzenta nessas áreas mesmo em reação ao
grupo controle - isso sugere que a aquisição recente da linguagem, falada ou
sinalizada, origina a mesma formação no córtex visual. E ao contrário, esse último grupo apresentou
maior quantidade de massa branca na região dorsal do córtex visual associativo
do que todos os demais inclusive o grupo controle.
Este resultados analisados junto com um trabalho posterior
realizado mostraram que além da diferença funcional também há alterações
estruturais do cérebro na região occipital, sugerindo que as alterações não são
devido a privação da audição, mas por causa da idade de aquisição da língua de
sinais, afirmam os pesquisadores.
Por limitação técnica, não se sabe se o que ocorreu no grupo
de aquisição tardia foi o diminuição da massa cinzenta ou o aumento da massa branca,
visto que nessa área o normal é que ambas sejam encontradas na mesma
quantidade. Interpretando como a
primeira opção, os autores sugerem que o aprendizado precoce da ASL está
associado ao aumento dessa massa na região visual do córtex, o que pode propiciar
uma maior percepção para a análise dos sinais, e por tanto, um processamento
mais rápido dos sinais. Apropriando-se da segunda interpretação, o aumento da
massa branca corresponderia a um número maior de conexões entre a área da visão
e outras áreas envolvidas com a linguagem, tratando-se de uma organização
neural ineficiente, o que estaria na base da dificuldade de processamento da
linguagem desses indivíduos.
O trabalho concluiu que a aquisição precoce da linguagem é
importante para a organização e desenvolvimento estrutural do cérebro.
Reforço, então, para chamar a atenção dos pais e dos
profissionais da saúde para que, independente do caminho a ser escolhido, após
a detecção da surdez, é extremamente importante o contato precoce da criança
surda com a Língua de Sinais. Pois a privação da linguagem, e não a surdez,
trará dificuldades pro desenvolvimento da criança.
FONTE
SIDONIE PÉNICAUD at al. Structural brain changes linked to
delayed first language acquisition in congenitally deaf individuals. Elsevier Inc. 2012.
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