11 de julho de 2013

Ciência e Surdez [7] - A influência da idade de aquisição da língua de sinais na estrutura cerebral

Fonte: Google
Já mostramos aqui que a Língua de Sinais é processada pelo cérebro na mesma região que a língua oral, diferenciando na ativação das áreas linguísticas, que no caso da língua de sinais é feita pela área visual e não auditiva. Além disso, falou-se da importância do aprendizado da língua de sinais como primeira língua de forma precoce para que a codificação cerebral ocorra de forma natural.


Acesse:

Hoje relatarei um trabalho de pesquisa desenvolvido por Sidone Pénicaud at al (2012) que problematiza a influência da idade de aquisição da língua de sinais e a organização anatômica cerebral.
O cérebro tem a capacidade de se moldar tanto estruturalmente quanto funcionalmente mediante a estímulos, como a aquisição de uma língua, isto é, ele tem a propriedade da plasticidade.

CURIOSIDADES APRESENTADAS PELO ARTIGO: Sabe-se que o córtex auditivo primário do surdo possui maior quantidade de massa branca (axônios de neurônios, que fazem as conexões entre essas células) do que esta mesma região no córtex do ouvinte, devido a privação de som. E por outro lado, mostraram que há um aumento da densidade de matéria cinzenta (corpos de neurônios) localizada no lado esquerdo do córtex motor do surdo em relação ao ouvinte, o que interpretaram como um fator que aumenta o controle motor da mão dominante durante a sinalização.

Para fazer este trabalho, os pesquisadores contaram com um grupo de surdos congênitos que adquiriram a língua em diferentes momentos da vida. Todos eram destros, sendo que 18 possuíam surdez profunda em ambos os ouvidos, 2 tinham surdez moderada em ambos os ouvidos e em 3 a surdez era profunda em um ouvido e moderada em outro. E um grupo de ouvintes serviu como grupo controle.

Os participantes foram divididos em grupos de acordo com a idade em que foram expostos pela primeira vez à ASL (Língua Americana de Sinais):
  • Infância, exposto a ALS pelos pais sinalizadores até os 3 anos de idade;
  • Early-signers, primeira exposição a língua entre 4-7 anos;
  • Later-signers, entre 11-14 anos de idade.

Os grupos 2 e 3 são de surdos que nasceram de pais ouvintes e inicialmente frequentavam escolas regulares usuárias da língua oral, e posteriormente foram transferidas para escolas de surdos. 

Gráfico retirado do artigo original.

Segundo os autores, analisando o cérebro como um todo, não houve diferenças significativas entre os surdos e os ouvintes. Porém, avaliando as áreas da visão, as pessoas que tiveram contato com a ASL, antes dos 3 anos de idade, apresentaram maior quantidade de massa cinzenta comparando com os outros grupos de surdos e com os ouvintes (veja os gráficos) - o estímulo pelos pais logo ao nascer deve explicar este fato. Já as pessoas que tiveram contato após os 7 anos apresentaram menos massa cinzenta nessas áreas mesmo em reação ao grupo controle - isso sugere que a aquisição recente da linguagem, falada ou sinalizada, origina a mesma formação no córtex visual.  E ao contrário, esse último grupo apresentou maior quantidade de massa branca na região dorsal do córtex visual associativo do que todos os demais inclusive o grupo controle.

Este resultados analisados junto com um trabalho posterior realizado mostraram que além da diferença funcional também há alterações estruturais do cérebro na região occipital, sugerindo que as alterações não são devido a privação da audição, mas por causa da idade de aquisição da língua de sinais, afirmam os pesquisadores.

Por limitação técnica, não se sabe se o que ocorreu no grupo de aquisição tardia foi o diminuição da massa cinzenta ou o aumento da massa branca, visto que nessa área o normal é que ambas sejam encontradas na mesma quantidade.  Interpretando como a primeira opção, os autores sugerem que o aprendizado precoce da ASL está associado ao aumento dessa massa na região visual do córtex, o que pode propiciar uma maior percepção para a análise dos sinais, e por tanto, um processamento mais rápido dos sinais. Apropriando-se da segunda interpretação, o aumento da massa branca corresponderia a um número maior de conexões entre a área da visão e outras áreas envolvidas com a linguagem, tratando-se de uma organização neural ineficiente, o que estaria na base da dificuldade de processamento da linguagem desses indivíduos.

O trabalho concluiu que a aquisição precoce da linguagem é importante para a organização e desenvolvimento estrutural do cérebro.


Reforço, então, para chamar a atenção dos pais e dos profissionais da saúde para que, independente do caminho a ser escolhido, após a detecção da surdez, é extremamente importante o contato precoce da criança surda com a Língua de Sinais. Pois a privação da linguagem, e não a surdez, trará dificuldades pro desenvolvimento da criança.


FONTE
SIDONIE PÉNICAUD at al. Structural brain changes linked to delayed first language acquisition in congenitally deaf individuals.  Elsevier Inc. 2012. 

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