20 de janeiro de 2014

Diagnóstico médico: Considerada inapta para ser professora por ser surda.

Tatiane M. da Cruz. Foto do seu arquivo pessoal.


Tatiane Monteiro da Cruz, 27 anos, é casada e mora em São Paulo (SP). Ela ficou surda aos 5 anos, devido ao uso de antibióticos fortes para tratar uma infecção no ouvido. Como ela já falava, o desenvolvimento da fala com a fonoaudióloga foi tranquilo.  Ela é formada em Letras-Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e está cursando o último semestre de sua especialização em Neurociência, na qual ela estuda as deficiências de um ponto de vista neurobiológico. Tatiane trabalha como professora de crianças surdas em uma escola municipal da cidade de Guarulhos (SP) e também é tutora em EAD na Universidade Anhembi Morumbi, em SP.


Eu a conheci através de uma publicação em que ela relatou um fato ocorrido durante uma consulta médica. Entrei em contato com ela, então, solicitando permissão para compartilhar, aqui no blog, essa história e ela, simpaticamente, o fez.


Tatiane passou em um concurso público para ministrar, para alunos surdos, a disciplina Educação Especial, mas foi considerada inapta, por um médico, pelo fato de ser SURDA:

"Vou relatar tudo desde o começo. Ao chegar no balcão de atendimento do Dpmesp, o atendente estava falando e olhando para o papel. Solicitei educadamente que olhasse para mim, pois faço leitura labial. Ele me olha com descrença e responde: como vai ser ensinar se não me entende? Se as crianças chamarem você, não vai ouvir. Olhei e respondi que tenho experiência, pois trabalho em escola da prefeitura. Ao que ele disse, que são adolescentes e que nem ele consegue falar com a própria filha olhando para ela. Ignorei o comentário e disse que irei atuar com crianças com deficiência. Fiquei passada com esta atitude e imaginando, se um atendente tem uma cabeça tão fechada, o que seria do médico? Então, na fila de espera encontro outros surdos e ficamos conversando. Cada um passou na perícia e foi embora sem saber o resultado, pois seria divulgado em diário oficial. Na minha vez, ele apenas perguntou sobre minha surdez, há quanto tempo, como fiquei surda e para que disciplina estava concorrendo. Respondi que era Educação Especial para surdos. Ele escreveu umas coisas que não consegui ler, pois ele tinha uma letra horrível. Depois ele olhou meu ouvido como se ali ele fosse descobrir minha surdez. Em seguida olhou a cópia da audiometria e solicitou o original - escreveu mais alguma coisa e me dispensou. Após a minha consulta, foi a vez da Silvia Fagundes da APS. Ela disse que bateu boca com o médico, por ter visto ele colocar incompatibilidade com o cargo.  Ela falou que seria para ensinar surdos, mas ele disse que não tinha essa informação, apenas que o cargo era para professor e surdo não pode ensinar. O resultado foi que todos os surdos foram considerados inaptos. Agora eu pergunto: se era uma perícia para comprovação da deficiência deveria apenas constatar se era ou não pessoa com deficiência, e não declarar sobre a aptidão do candidato em exercer o cargo. Esta parte deveria ser definida após a entrega de um exame de saúde mais completo e de acordo com a disciplina. Essa perícia foi muito mal feita. E a impressão que tenho é de que o médico recebeu ordem para reprovar a todos só para o estado dizer que não está descumprindo a lei de cotas."


A cada dia que passa, percebo a importância e a urgência das escolas médicas começarem a “ensinar” e a debater a respeito das pessoas com deficiência.Não digo em relação às suas deficiências, mas sobre as suas particularidades e as suas potencialidades. Um sujeito que não escuta é totalmente capaz de trabalhar, de ensinar, de conviver em sociedade. Foi-se a época em que essas pessoas eram afastadas do convívio social. Os surdos estão por aí e precisamos arrancar as vendas dos nossos olhos para enxerga-los: não como incapazes, mas como pessoas. 


Os profissionais de saúde estão a todo tempo em contato com pessoas e devem estar preparados para lidar com qualquer tipo de sujeito. A formação em “Libras e Saúde”, em relação às pessoas surdas e às com deficiência auditiva é de extrema importância para que fatos como este, relatados pela Tatiane, não continuem ocorrendo. Conheço surdos doutores, professores, enfermeiros, fisioterapeutas... 


 A diversidade está exposta e devemos estar aptos a lidar com ela.

Quero agradecer a Tatiane por ter permitido compartilhar sua história, pois acredito que esse é o começo para tentarmos mudar a situação: conscientizar as pessoas. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário